sexta-feira, 26 de outubro de 2007

Profusão Silente

Sou tudo aquilo que não vivi, mas sonhei. Consisto nas vidas que dentro de mim coexisto e, em pensamento silente, me esqueço nos seus interiores. Vivo em meio a tantas vidas que crio, que destruo a própria vida que tenho. De mim, só controlo os delírios.
Sou aquela declaração de amor que pensei ter feito a ele, que sonhei ter dito aquilo tudo pra ele. Sou aquele sorriso que planejava mostrar, o telefonema que cogitei dar um dia. Sou aquele abraço, que foi tão gostoso, mas eu tive que ir antes de dar. Sou aquela festa que dançei tanto e te conheci, mesmo sem ter ido.
Nunca haverá, hoje, lugar algum em que eu me sinta em casa. E pela eternidade que se dará até meu sono, eu me lastimarei da solidão e dos sonhos. Ah, os corrosivos sonhos. Se eu fosse um pouco mais vazio e sonhasse menos, atravessaria o corredor após meu quarto, ganharia a rua.

quinta-feira, 12 de julho de 2007

Carta à Emily


Querida,
já não estranhe se me vires por estes dias desistindo de mim. É uma questão de tempo até que já nem me olhe no espelho, ou que me esqueça adormecido sobre algum de meus rascunhos. Tenho andando em dias tão austeros, tão miseráveis em alento...É um momento crítico quando nos falta a automisericórdia, ela é quem faz com que amemos a nós mesmos, e nos empurra para frente continuamente. Tenho andando tão covarde, e esse medo ridículo de viver já me tomou a tal ponto que já não convém chorar, pois se perdeu a emoção.
Não pense que viver outras vidas em pensamento é de grande sanidade. É uma negligência destrutiva ao que se chama de "eu", é esquecer-se num jardim de inverno no advento da primavera. Viver outra vida é sinal de que já não se tem mais para onde ir, quando se perde o amor pelo que você realmente é. É o que tenho feito nos últimos anos: me matado pouco a pouco, sem ao menos importar-me com isso. Mato-me da pior forma possível: mato-me apenas por abandono, faço-me cinzas pelo esquecimento, e não por ódio.
Você me conhece mais que ninguém, é minha mais distante e próxima amiga. Te criei em pensamento há alguns anos, quando já não aguentava minha própria vida. Imaginando-te a cada dia, fui construindo a pessoa que hoje você é. Mas você não foi como os outros que criei. Me apeguei tanto a ti que, quando vi, eu era ti. Não era mais você que estava dentro de mim- estávamos juntos dentro de um mundo que eu criei. Eu vivia como se fosse você, pensava por sua mente, cantava por tua garganta.
É por sermos tão próximos que venho te contar que morro aos poucos, e preciso de ti. Quero que um dia eu possa lembrar de ti e rir debochadamente. Quero um dia me livrar de você. Mas ainda não é hora. Sinto que a cada dia necessito trancar-me em seus (nossos) sonhos, desesperadamente, para que eu encontre algo que me sirva de alento.
Ainda não posso me separar de você, preciso da sua vida. Cuide de mim como um filho esta noite.

Contudo, não me ame jamais, pois quando não mais precisar de ti, destruo-te.


Teu criador e criatura, Tadeu.
à minha sempre amada e invejada Emily Blankenheimer.

[Inspirada num texto de Clarice Lispector]

sexta-feira, 8 de junho de 2007

Amálgama

A um encantador profanei todos os templos terrenos
De súbito, torno cúbico o lúdico
Aos céus roguei desplendor em um semblante tão lírico
Empírico, frívolo, físico ao ridículo

E com as mãos calejadas de uma dama sinfônica
Atônita e brômica aos dogmas
A harpa que despertou no fruto toda a cobiça
Ilícita, explícita, química

Alucinógena canção que faz cair das falésias
As régias tão perplexas que flertam-nas
À uma flauta distante me levanto ao dinâmico
E ao cândido, lânguido, tântrico

No tempo em que tudo em nada mais há
Dilacerará, e encantará ou mutilará a epístola
Aludo-me aquele que em mente possui todo o caos
Assim em naus, tão episcopal, unilateral ou universal

Ensinar-te-ei a perder sua lógica infame
E clame que, ó, arranhe-me, derrame-se
Ensinar-te-ei a não seres tão sórdido
Mas mórbido, tão eufórico que exploda-o.

sexta-feira, 4 de maio de 2007

Os imortais lembrarão-se


Passei algumas horas fumando meu ópio, nessa fatídica tentativa de matar esses meus fantasmas. Acordei por estes dias carregando uma saudade na garganta (a já antiga mão que me enlaça, consternando-me do respirar), uma dor em algum lugar insondável dentro de mim.
De súbito tudo pareceu uma ilusão: nenhum deles jamais existiu realmente. Eu os inventei, um a um, e os poucos que de fato foram reais consegui perder. Senti-me então tão longe, tão distante do que me parecia real. Ainda não acostumei-me ao fato de que tudo foi imaginação.
Eram meus amigos, meus amores, meus pais: nunca existiram de fato. Era tudo tão conveniente, tudo tão belo (você me amava naquele lugar, e eu o tinha para mim). Fazia eu respirar de novo os mortos, trazer os amores de volta, meu pai segurava minha mão.
Pensar que tudo foi uma mentira: meu avô está morto, Emily está morta, Sr. e Sra. Blankenheimer estão mortos, Philip está morto, Brian, Julie, Nina. Talvez esteja eu morto entre eles. Essa vida nunca existiu.
Morrendo meus amores, e eu sozinho, a criança frágil lutando para manter consigo seus desenhos feiosos.

Vou então imergindo no lago, onde todos eles me esperam ainda vivos.
"Quando a noite escura parecer interminável, por favor lembre-se de mim".

terça-feira, 1 de maio de 2007

A criança e o vento.


A pequena criança, em seu semblante agonizante, tenta, com suas pequenas mãozinhas, salvar do vento os poucos desenhos feios que tem. Ela luta com toda sua coragem para mantê-los consigo, mesmo sabendo que são apenas rabiscos feios.
Nunca passarão, decerto, de traços mal-feitos, sem importânica para os outros. Para a criança eles são tudo o que possui, e isto os faz o mais precioso tesouro em toda a Terra. Não pode deixá-los voar para longe com o sopro da ventania, precisa tê-los consigo.

Não havia mais ninguém no inóspito parque. Apenas um solitário balanço oscilava lentamente naquela tarde nublada. Nenhum ruído fazia-se ouvir entreos frios brinquedos; apenas o uivo agudo do vento feroz.
Uma lágrima cai no chão de terra batida, partida dos pequeninos olhos infantis. Os lábios da criança tremiam de desespero, o menino ajoelhado.
Suas frágeis folhas com seus desenhos feiosos voavam para cada vez mais longe. Os impotentes braços já não mais alcançavam-nos.

Os papéis se perdiam na cidade, abandonando a criança sozinha no parque deserto.

terça-feira, 10 de abril de 2007

Mein Herr


A enfermeira tomou-me pela mão e me guiou sala adentro. O ambiente demasiadamente iluminado pelas lâmpadas fluorescentes e o ar gélido contribuíam para o clima inóspito, típico dos hospitais. No âmago do ser, confesso, aprecio o odor inconfundível de éter.
Em sua face agora inexpressiva, seus olhos mantinham-se fechados; uma dor forte no peito consumia-me a alma, vendo-o deitado, inerte, naquela maca hospitalar. já faziam algumas horas que ele estava morto, e o corpo esfriava paulatinamente, sem prover de vida alguma.
-Respire mais uma vez, eu imploro.
Ele já não poderia mais ouvir-me. A enfermeira havia abandonado a sala, agora éramos sós.

Toquei de leve sua alva roupa, desprendendo-lhe os botões, e soltando o tecido. Tirei-lhe todo o pano. Peça por peça.
Tranquei a porta do quarto com a chave.
Subindo na maca, pus sobre ele meu corpo nu. Tocávamos-nos. Podia senti-lo como ainda em vida, naquele necrótico abraço. Volúpia talvez unilateral.
Passei meus lábios por sobre os dele, por sobre sua pele branca. Ardia-me o sexo de tanto amor. Tive-lhe até o fim.

Já vestido, abri a porta e saí para o corredor.
- Adeus, mein herr, desprovido fui de evitar tamanho amor. Perdoe-me.

quinta-feira, 5 de abril de 2007

Anônimo


Um transeunte anônimo caminhava lentamente pelas ruas da decrépita cidade. Invisível aos olhos dos demais, que também invisíveis aos próprios olhos, ignoravam-se mutuamente, isolados em diáfanas cápsulas que supunham ser invioláveis.
Compasso binário os mantinha em passos uníssonos, cada qual em compartilhado ritmo, andando em incógnito rumo, desprovidos de feição ou deleite. Inertes movimentando-se em massa.

Um homem de súbito pára, observando a criança. No meio dos cinzas e das cinzas, uma doce menina canta antigas notas alentadoras: as máquinas, ou talvez ainda homens, páram a admirar.
Passa-se então a flutuar, saindo do corpo de um deles, uma alma. Seguem-se as demais, desprendendo-se da carne. As carcaças jaziam caídas no chão, como que observando o leve pairar dos espíritos daqueles infelizes.
A voz da menina ecoava pelo vácuo formado pelos prédios.

("Know Me", Slawek Gruca. Thank you Bina.)

sábado, 31 de março de 2007

Sobre abstinência


Lugar algum, ou por lembrança silente, em todo lugar
Jazem em cada poro da alma tuas cinzas mornas
Ácidas, corroendo a diáfana sanidade, atemporal auto-tortura
Furtando-lhe o alentador sorriso de outrora

Onde serei disposto, agora que já não mais convenho?
Talvez num escuro e úmido canto de tuas frias lembranças
Trancado neste lago, desejando ao menos estar afogado
Você ao menos saberá que estive aqui. (Não deixarei).

E o que jaz em teus sonhos: será meu corpo?

quinta-feira, 29 de março de 2007

Crônicas do Lago (3)


Às margens deste velho lago sento-me. O toque do meu corpo nú na pedra fria me toma um breve e tímido arrepio. Meus pés imersos na água fresca e cristalina.
Lembro-me ainda do tempo em que nadávamos aqui.
Contemplo seu doce semblante no espelho d'água, triste pensar que não podes mais amar-me de onde está. Talvez esteja submerso em algum lugar neste lago.
Eu estive aqui todo o tempo, não pôdes me ver. Nunca mais poderás.

Desculpe-me, mas esta noite não voltarei para casa. Procurar-te-ei neste lago até achar-te imerso entre as folhas das árvores no fundo. Sei que esperas por mim ainda vivo, e mesmo que não estejas, darei-te minha vida para que respires novamente.

Mergulhei na gélida água, em busca do perdido.

quinta-feira, 22 de março de 2007

Calado.

Te espero calado, condicionando minhas dores a não mais sentí-las
Auto-destruo-me, iludo-me, perco o escrúpulo no intuito de te ver
Nos teus olhos cianos me perco, desvendando em teu corpo o calor
Induzo-me ao ápice da submissão

Calado espero-te, minhas dores condicionam-me a não mais sentí-las
Destruo o escrúpulo, auto-ilusão do intuito, ver-te-ei?
Desvendo o ciano de teus olhos, me perco no calor do teu corpo
Submissão me induz ao seu ápice

Calo minhas dores, espero-te condicionadamente calado, não te sinto mais
No intuito de iludir o escrúpulo, destruo-te, vejo-te
No calor de teus olhos cianos desvendo meu corpo
O ápice me induz à submissão.

(texto republicado)
(com incrível inserção no momento atual).

sexta-feira, 16 de março de 2007

Velório


No meu enterro não quero alegria de tipo algum. No meu velório não quero pagode, gente feliz, bebida ou coisa que o valha. O meu caixão não admito ser branco, minhas flores que não sejam róseas.

No meu enterro quero muita tristeza e pesar. No meu velório quero o Réquiem de Mozart, a inveja de Salieri, gente triste cogitando suicídio, apenas a sede. O meu caixão que seja de um negro irritante, e minhas flores vermelho-sangue.

Que se lembrem que não olharam-me enquanto pedi, que recordem-se das tantas vezes que implorei-lhes por amor. Que eu seja uma dramática vítima, e que se derramem muitas lágrimas por mim.
Que arrependam-se. Que chorem. Que gritem.

Quero então abrir meus olhos na tarde escura enquanto velam-me. E que se assustem, abracem-me depois. Quero que vejam que um dia podem me perder, e amem-me como jamais o fariam.

quinta-feira, 15 de março de 2007

Confissões para o espelho.


E o que sentir afinal?
Defronte o espelho cristalino. Já é madrugada.

"O tempo é o senhor da razão. Tenho vontade de estar com outros garotos." Essas suas frases me corroem o ego.
- Como você pode se esgueirar por entre suas mentiras tão infamemente? Não foi você que disse que me amava?! Não foi você me achava maravilhoso?!
Não. Daqui de dentro ninguém pode me ouvir, principalmente você.
-Então por que fez questão de me seduzir, seu idiota?!
-Por que parece me amar e odiar em dias alternados?!
-Por que não me procura? Por que não me esquece então?!?!

Você pareceu tão confiante que me queria.
(o espelho se quebra).

Se quer saber, me encantei por você.
E te quis muito, te desejei em demasia. Não porque iguais a você não rastejem por mim uma dezena, mas porque eu apenas gostei de você. Você fez questão de me cativar para depois simplesmente me tratar desta relapsa maneira.
Gostei de você rápido demais. Esse talvez tenha sido meu maior erro.

E agora acho que desisti.
Queria ser melhor, mas desiti de você.
Até que você demonstre um mínimo de atenção e cuidado. E talvez seja mesmo essa a hora de eu acordar desse meu sonho nebuloso, e encarar quem você é de verdade; uma pessoa relapsa, sem caráter possivelmente, e que me deixou sozinho aqui.

De onde quer que eu esteja.


quarta-feira, 14 de março de 2007

Crônicas do Lago (2)


A doce criança transpassa o espelho d'água com suas pequeninas e alvas mãos. Com a pouca força que ainda lhe resta, enlaça o pescoço do homem imerso na gélida água, e com seus delicados dedos, rouba-lhe todo o ar.
As lágrimas caem de seu angelical rosto no antigo lago, a tristeza tomando-lhe o âmago enquanto observa o corpo inerte do rapaz perder a vida paulatinamente, e afundar junto às folhas mortas que jazem no fundo.
"Já era hora de fazê-lo, meu anjo, já era sua hora".
O frágil coração infantil se contraía em desespero, mas ela sabia que era tempo de tomar uma atitude. Lembrou-se de Maquiavel naquele tolo momento.

A pouca vida do corpo do homem se dissipara nas águas turvas.

A criança dá sua pequena mão a ele e os dois caminham para longe do secular lago. O corpo desalmado do homem descansa junto a tantos outros, envolto na folhagem profunda.
Andam juntos e vagarosamente na direção do longínqüo horizonte, sob o crepúsculo.

"Aguarde, amor, este lago não secará. E se um dia houver novamente uma alma errante que desejar viver mais uma vez, ela o procurará. Se não, é pois tempo de partires para sempre do lago."

Crônicas do Lago (1)


Emergindo das escuras águas do pequeno lago, meu corpo ganha espaço em meio à leve neblina. As árvores de outono, com suas folhas alaranjadas, protegem do sol os sentimentos frios, a vida inerte que se esgueira pelos troncos seculares.
O som- indubitavelmente oriundo de alucinação- de um triste violoncelo me enlaça na melancolia nebulosa daquela tarde, enquanto sinto meu corpo fluir e levantar-se do fundo do lago lentamente.

Naquele momento, e como jamais talvez sentira antes, esqueci-me ali.

(...)

Ainda me descubro irremediavelmente só. E apesar de pela primeira vez ser amado de tal forma, ainda me encontro sem saber se é realmente isso o que quero.

Anoitece.
O tempo passa rapidamente, e amanhã verei meu destino.

(texto republicado).

terça-feira, 13 de março de 2007

Perdestes-me.


Àquela hora já não mais haviam luzes no edifício. A inércia temporal parecia engolir por completo o quarto escuro, enquanto meu corpo rolava de um lado a outro da cama numa frívola tentativa de te expulsar de meus pensamentos. A forte dor nos pulmões era sitematicamente escamoteada pelo turbilhão de pensamentos; uma invisível mão que parecia enlaçar-me a garganta, consternando-me do simples respirar.
Onde estaria você agora? Decerto não lembra-se que destroça a cada dia os sentimentos alguém um dia nutriu por ti, e que também os regastes para que se desenvolvessem. Ainda que não houve resquício de sentimento por mim, haveria de existir, ao menos, uma necessidade de respeito por alguém que te admirou certa vez.
Para que tantas mentiras? Não percebes que a verdade seria de maior eufemismo que todas as vezes que tentas me enganar ridiculamente?! Certamente seu vizinho não tem o costume de morrer quando você sai à noite com seus amigos. Tenho plena consciência de que o problema não foi dinheiro nem tempo. Aliás, fazem quatro dias que você me deixou sozinho para se divertir, e, apesar das oportunades, não foi capaz de me pedir desculpas.
"Sempre consigo o que não quero" e "Quer romance? Leia um livro!"?

Se esqueces apenas de que não me conseguiu. E se um dia conseguiu, acaba de perder-me.

Finalmente, desprovido de todo e qualquer talento cênico, ainda tentas infamemente me ganhar com suas palavras e falsidades tolas. Só não lebrastes de que quem escreveu este roteiro fui eu.
Prefiria que amasses calado, afinal, apesar da pseudo-especialização na área, não és tão bom com palavras. Quiçá com ações.


Introdução


Com uma nova e imatura auto-análise dos sentimentos (particulares e alheios), o personagem Damien Ross volta a escrever suas crônicas. Alguns dos melhores textos divulgados no antigo blog (damienross.blogspot.com) serão republicados, fazendo assim uma apanhagem geral do que achei de bom no ano que se foi, e visando melhorar cada vez mais a qualidade dos textos que emanam desta página.
Como os antigos frequentadores já sabem, esse não é essencialmente um blog com finalidades de fama ou mesmo ascensão social. É apenas um desabafo, um grito sufocado pelo travesseiro, um meio de iludir-me contando a verdade sobre mim, analisando e tentando ter uma maior estabilidade emocional (o que, para quem me conhece, sabe que é estritamente impossível).
  • Sintam-se em casa para comentarem e refletirem sobre si mesmos.