sábado, 31 de março de 2007

Sobre abstinência


Lugar algum, ou por lembrança silente, em todo lugar
Jazem em cada poro da alma tuas cinzas mornas
Ácidas, corroendo a diáfana sanidade, atemporal auto-tortura
Furtando-lhe o alentador sorriso de outrora

Onde serei disposto, agora que já não mais convenho?
Talvez num escuro e úmido canto de tuas frias lembranças
Trancado neste lago, desejando ao menos estar afogado
Você ao menos saberá que estive aqui. (Não deixarei).

E o que jaz em teus sonhos: será meu corpo?

quinta-feira, 29 de março de 2007

Crônicas do Lago (3)


Às margens deste velho lago sento-me. O toque do meu corpo nú na pedra fria me toma um breve e tímido arrepio. Meus pés imersos na água fresca e cristalina.
Lembro-me ainda do tempo em que nadávamos aqui.
Contemplo seu doce semblante no espelho d'água, triste pensar que não podes mais amar-me de onde está. Talvez esteja submerso em algum lugar neste lago.
Eu estive aqui todo o tempo, não pôdes me ver. Nunca mais poderás.

Desculpe-me, mas esta noite não voltarei para casa. Procurar-te-ei neste lago até achar-te imerso entre as folhas das árvores no fundo. Sei que esperas por mim ainda vivo, e mesmo que não estejas, darei-te minha vida para que respires novamente.

Mergulhei na gélida água, em busca do perdido.

quinta-feira, 22 de março de 2007

Calado.

Te espero calado, condicionando minhas dores a não mais sentí-las
Auto-destruo-me, iludo-me, perco o escrúpulo no intuito de te ver
Nos teus olhos cianos me perco, desvendando em teu corpo o calor
Induzo-me ao ápice da submissão

Calado espero-te, minhas dores condicionam-me a não mais sentí-las
Destruo o escrúpulo, auto-ilusão do intuito, ver-te-ei?
Desvendo o ciano de teus olhos, me perco no calor do teu corpo
Submissão me induz ao seu ápice

Calo minhas dores, espero-te condicionadamente calado, não te sinto mais
No intuito de iludir o escrúpulo, destruo-te, vejo-te
No calor de teus olhos cianos desvendo meu corpo
O ápice me induz à submissão.

(texto republicado)
(com incrível inserção no momento atual).

sexta-feira, 16 de março de 2007

Velório


No meu enterro não quero alegria de tipo algum. No meu velório não quero pagode, gente feliz, bebida ou coisa que o valha. O meu caixão não admito ser branco, minhas flores que não sejam róseas.

No meu enterro quero muita tristeza e pesar. No meu velório quero o Réquiem de Mozart, a inveja de Salieri, gente triste cogitando suicídio, apenas a sede. O meu caixão que seja de um negro irritante, e minhas flores vermelho-sangue.

Que se lembrem que não olharam-me enquanto pedi, que recordem-se das tantas vezes que implorei-lhes por amor. Que eu seja uma dramática vítima, e que se derramem muitas lágrimas por mim.
Que arrependam-se. Que chorem. Que gritem.

Quero então abrir meus olhos na tarde escura enquanto velam-me. E que se assustem, abracem-me depois. Quero que vejam que um dia podem me perder, e amem-me como jamais o fariam.

quinta-feira, 15 de março de 2007

Confissões para o espelho.


E o que sentir afinal?
Defronte o espelho cristalino. Já é madrugada.

"O tempo é o senhor da razão. Tenho vontade de estar com outros garotos." Essas suas frases me corroem o ego.
- Como você pode se esgueirar por entre suas mentiras tão infamemente? Não foi você que disse que me amava?! Não foi você me achava maravilhoso?!
Não. Daqui de dentro ninguém pode me ouvir, principalmente você.
-Então por que fez questão de me seduzir, seu idiota?!
-Por que parece me amar e odiar em dias alternados?!
-Por que não me procura? Por que não me esquece então?!?!

Você pareceu tão confiante que me queria.
(o espelho se quebra).

Se quer saber, me encantei por você.
E te quis muito, te desejei em demasia. Não porque iguais a você não rastejem por mim uma dezena, mas porque eu apenas gostei de você. Você fez questão de me cativar para depois simplesmente me tratar desta relapsa maneira.
Gostei de você rápido demais. Esse talvez tenha sido meu maior erro.

E agora acho que desisti.
Queria ser melhor, mas desiti de você.
Até que você demonstre um mínimo de atenção e cuidado. E talvez seja mesmo essa a hora de eu acordar desse meu sonho nebuloso, e encarar quem você é de verdade; uma pessoa relapsa, sem caráter possivelmente, e que me deixou sozinho aqui.

De onde quer que eu esteja.


quarta-feira, 14 de março de 2007

Crônicas do Lago (2)


A doce criança transpassa o espelho d'água com suas pequeninas e alvas mãos. Com a pouca força que ainda lhe resta, enlaça o pescoço do homem imerso na gélida água, e com seus delicados dedos, rouba-lhe todo o ar.
As lágrimas caem de seu angelical rosto no antigo lago, a tristeza tomando-lhe o âmago enquanto observa o corpo inerte do rapaz perder a vida paulatinamente, e afundar junto às folhas mortas que jazem no fundo.
"Já era hora de fazê-lo, meu anjo, já era sua hora".
O frágil coração infantil se contraía em desespero, mas ela sabia que era tempo de tomar uma atitude. Lembrou-se de Maquiavel naquele tolo momento.

A pouca vida do corpo do homem se dissipara nas águas turvas.

A criança dá sua pequena mão a ele e os dois caminham para longe do secular lago. O corpo desalmado do homem descansa junto a tantos outros, envolto na folhagem profunda.
Andam juntos e vagarosamente na direção do longínqüo horizonte, sob o crepúsculo.

"Aguarde, amor, este lago não secará. E se um dia houver novamente uma alma errante que desejar viver mais uma vez, ela o procurará. Se não, é pois tempo de partires para sempre do lago."

Crônicas do Lago (1)


Emergindo das escuras águas do pequeno lago, meu corpo ganha espaço em meio à leve neblina. As árvores de outono, com suas folhas alaranjadas, protegem do sol os sentimentos frios, a vida inerte que se esgueira pelos troncos seculares.
O som- indubitavelmente oriundo de alucinação- de um triste violoncelo me enlaça na melancolia nebulosa daquela tarde, enquanto sinto meu corpo fluir e levantar-se do fundo do lago lentamente.

Naquele momento, e como jamais talvez sentira antes, esqueci-me ali.

(...)

Ainda me descubro irremediavelmente só. E apesar de pela primeira vez ser amado de tal forma, ainda me encontro sem saber se é realmente isso o que quero.

Anoitece.
O tempo passa rapidamente, e amanhã verei meu destino.

(texto republicado).

terça-feira, 13 de março de 2007

Perdestes-me.


Àquela hora já não mais haviam luzes no edifício. A inércia temporal parecia engolir por completo o quarto escuro, enquanto meu corpo rolava de um lado a outro da cama numa frívola tentativa de te expulsar de meus pensamentos. A forte dor nos pulmões era sitematicamente escamoteada pelo turbilhão de pensamentos; uma invisível mão que parecia enlaçar-me a garganta, consternando-me do simples respirar.
Onde estaria você agora? Decerto não lembra-se que destroça a cada dia os sentimentos alguém um dia nutriu por ti, e que também os regastes para que se desenvolvessem. Ainda que não houve resquício de sentimento por mim, haveria de existir, ao menos, uma necessidade de respeito por alguém que te admirou certa vez.
Para que tantas mentiras? Não percebes que a verdade seria de maior eufemismo que todas as vezes que tentas me enganar ridiculamente?! Certamente seu vizinho não tem o costume de morrer quando você sai à noite com seus amigos. Tenho plena consciência de que o problema não foi dinheiro nem tempo. Aliás, fazem quatro dias que você me deixou sozinho para se divertir, e, apesar das oportunades, não foi capaz de me pedir desculpas.
"Sempre consigo o que não quero" e "Quer romance? Leia um livro!"?

Se esqueces apenas de que não me conseguiu. E se um dia conseguiu, acaba de perder-me.

Finalmente, desprovido de todo e qualquer talento cênico, ainda tentas infamemente me ganhar com suas palavras e falsidades tolas. Só não lebrastes de que quem escreveu este roteiro fui eu.
Prefiria que amasses calado, afinal, apesar da pseudo-especialização na área, não és tão bom com palavras. Quiçá com ações.


Introdução


Com uma nova e imatura auto-análise dos sentimentos (particulares e alheios), o personagem Damien Ross volta a escrever suas crônicas. Alguns dos melhores textos divulgados no antigo blog (damienross.blogspot.com) serão republicados, fazendo assim uma apanhagem geral do que achei de bom no ano que se foi, e visando melhorar cada vez mais a qualidade dos textos que emanam desta página.
Como os antigos frequentadores já sabem, esse não é essencialmente um blog com finalidades de fama ou mesmo ascensão social. É apenas um desabafo, um grito sufocado pelo travesseiro, um meio de iludir-me contando a verdade sobre mim, analisando e tentando ter uma maior estabilidade emocional (o que, para quem me conhece, sabe que é estritamente impossível).
  • Sintam-se em casa para comentarem e refletirem sobre si mesmos.