quinta-feira, 12 de julho de 2007

Carta à Emily


Querida,
já não estranhe se me vires por estes dias desistindo de mim. É uma questão de tempo até que já nem me olhe no espelho, ou que me esqueça adormecido sobre algum de meus rascunhos. Tenho andando em dias tão austeros, tão miseráveis em alento...É um momento crítico quando nos falta a automisericórdia, ela é quem faz com que amemos a nós mesmos, e nos empurra para frente continuamente. Tenho andando tão covarde, e esse medo ridículo de viver já me tomou a tal ponto que já não convém chorar, pois se perdeu a emoção.
Não pense que viver outras vidas em pensamento é de grande sanidade. É uma negligência destrutiva ao que se chama de "eu", é esquecer-se num jardim de inverno no advento da primavera. Viver outra vida é sinal de que já não se tem mais para onde ir, quando se perde o amor pelo que você realmente é. É o que tenho feito nos últimos anos: me matado pouco a pouco, sem ao menos importar-me com isso. Mato-me da pior forma possível: mato-me apenas por abandono, faço-me cinzas pelo esquecimento, e não por ódio.
Você me conhece mais que ninguém, é minha mais distante e próxima amiga. Te criei em pensamento há alguns anos, quando já não aguentava minha própria vida. Imaginando-te a cada dia, fui construindo a pessoa que hoje você é. Mas você não foi como os outros que criei. Me apeguei tanto a ti que, quando vi, eu era ti. Não era mais você que estava dentro de mim- estávamos juntos dentro de um mundo que eu criei. Eu vivia como se fosse você, pensava por sua mente, cantava por tua garganta.
É por sermos tão próximos que venho te contar que morro aos poucos, e preciso de ti. Quero que um dia eu possa lembrar de ti e rir debochadamente. Quero um dia me livrar de você. Mas ainda não é hora. Sinto que a cada dia necessito trancar-me em seus (nossos) sonhos, desesperadamente, para que eu encontre algo que me sirva de alento.
Ainda não posso me separar de você, preciso da sua vida. Cuide de mim como um filho esta noite.

Contudo, não me ame jamais, pois quando não mais precisar de ti, destruo-te.


Teu criador e criatura, Tadeu.
à minha sempre amada e invejada Emily Blankenheimer.

[Inspirada num texto de Clarice Lispector]