sexta-feira, 4 de maio de 2007

Os imortais lembrarão-se


Passei algumas horas fumando meu ópio, nessa fatídica tentativa de matar esses meus fantasmas. Acordei por estes dias carregando uma saudade na garganta (a já antiga mão que me enlaça, consternando-me do respirar), uma dor em algum lugar insondável dentro de mim.
De súbito tudo pareceu uma ilusão: nenhum deles jamais existiu realmente. Eu os inventei, um a um, e os poucos que de fato foram reais consegui perder. Senti-me então tão longe, tão distante do que me parecia real. Ainda não acostumei-me ao fato de que tudo foi imaginação.
Eram meus amigos, meus amores, meus pais: nunca existiram de fato. Era tudo tão conveniente, tudo tão belo (você me amava naquele lugar, e eu o tinha para mim). Fazia eu respirar de novo os mortos, trazer os amores de volta, meu pai segurava minha mão.
Pensar que tudo foi uma mentira: meu avô está morto, Emily está morta, Sr. e Sra. Blankenheimer estão mortos, Philip está morto, Brian, Julie, Nina. Talvez esteja eu morto entre eles. Essa vida nunca existiu.
Morrendo meus amores, e eu sozinho, a criança frágil lutando para manter consigo seus desenhos feiosos.

Vou então imergindo no lago, onde todos eles me esperam ainda vivos.
"Quando a noite escura parecer interminável, por favor lembre-se de mim".

terça-feira, 1 de maio de 2007

A criança e o vento.


A pequena criança, em seu semblante agonizante, tenta, com suas pequenas mãozinhas, salvar do vento os poucos desenhos feios que tem. Ela luta com toda sua coragem para mantê-los consigo, mesmo sabendo que são apenas rabiscos feios.
Nunca passarão, decerto, de traços mal-feitos, sem importânica para os outros. Para a criança eles são tudo o que possui, e isto os faz o mais precioso tesouro em toda a Terra. Não pode deixá-los voar para longe com o sopro da ventania, precisa tê-los consigo.

Não havia mais ninguém no inóspito parque. Apenas um solitário balanço oscilava lentamente naquela tarde nublada. Nenhum ruído fazia-se ouvir entreos frios brinquedos; apenas o uivo agudo do vento feroz.
Uma lágrima cai no chão de terra batida, partida dos pequeninos olhos infantis. Os lábios da criança tremiam de desespero, o menino ajoelhado.
Suas frágeis folhas com seus desenhos feiosos voavam para cada vez mais longe. Os impotentes braços já não mais alcançavam-nos.

Os papéis se perdiam na cidade, abandonando a criança sozinha no parque deserto.